Homilia dia 13/02/11

Do Padre Fernando J. C. Cardoso

“Não julgueis”- diz Jesus - que vinha abolir a lei e os profetas. “Não vim aboli-los, mas vim dar-lhes cumprimento. Nem um jota sequer passará da lei, sem que tudo seja cumprido.” Este é um dos versículos mais obscuros do Evangelho de Mateus, e de todo o Novo Testamento. E isto por um motivo simples: aqui, Jesus afirma que não veio abolir a Torá de Moisés, o Pentateuco, não veio abolir os seiscentos e treze preceitos que lá estão contidos. E esta afirmação de Jesus está contrária, ou é contrária, ao que diz Paulo. Paulo nos afirma que fomos tornados livres com relação à Lei Mosaica. Aqui está um exemplo de uma prática que parece contradizer um texto; e um texto que não é colocado em prática.

É preciso acrescentar mais. Nenhuma das grandes Igrejas Cristãs exige o cumprimento dos seiscentos e treze preceitos que compõem a Torá ou a Lei de Moisés. Como resolver esta questão espinhosa? É possível que haja contradições no interior do Novo Testamento? Eu diria honestamente que sim, desde que sejam contradições penúltimas, e não destruam o que é último e o que é definitivo. Este texto, que hoje a Igreja nos faz pronunciar e proclamar, provavelmente são versículos criados pela própria Comunidade, após a morte e ressurreição de Jesus, e colocados, por ela, na boca de Jesus. Estes versículos parecem supor que, na Comunidade de Mateus, para a qual este Evangelho foi diretamente escrito, havia muitos judeus, observantes não apenas da lei de Cristo, mas também da lei de Moisés.

Nós podemos resumir tudo dizendo o seguinte: Jesus, em Sua vida, não aboliu a Torá de Moisés, não lhe aboliu os seiscentos e treze preceitos. Porém, era livre na Sua pregação, nas Suas curas e nas Suas discussões, e resolvia casos concretos, sem apelar para a autoridade dos antigos, dos escribas e dos fariseus. Mateus se situa ainda num meio termo após a páscoa de Jesus. Ele parece não abandonar a Lei Mosaica, em vigência ao que tudo indica em sua Comunidade, mas insiste sobre o que é mais importante: o amor e a misericórdia. Paulo finalmente deixa de lado os seiscentos e treze preceitos. Aceita, no entanto, o Decálogo, a fé, a esperança, a caridade e os dons do Espírito Santo. Devemos dizer que venceu, nas grandes Igrejas Cristãs, o Paulinismo. E todos nós, hoje, seguimos Paulo e seu modo de pensar o Decálogo, a fé, a esperança, o amor e os Dons do Espírito Santo em nós. Porém, este texto é precioso porque mostra que, dentro da Comunidade de Jesus, existem diferenças que podem ser vividas. E isto nos faz respeitar um modo distinto do outro, numa visão ecumênica da fé Cristã.

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